Folheie aqui esta magnifica obra!
O Mito
Em plena Idade Média começou a circular nas cortes europeias uma carta em que um suposto rei asiático, de nome Preste João, se apresenta como rei detentor de um império vastíssimo localizado nas “Índias”. Este Rei pretenderia aliar-se ao Ocidente na luta travada nas Cruzadas, para vencer o Islão, inimigo comum, e conquistar a Terra Santa.
Essa Carta do Preste João descreve também as maravilhas e riquezas do seu reino e as raridades que se podiam encontrar: homens com cornos, com três pernas, gigantes, com cabeças de cão, com cascos nos pés, e animais espantosos. De acordo com esta descrição, o seu reino era atravessado por um rio que procedia diretamente do Paraíso que foi identificado como sendo o Nilo. Este território, dada a deficiência dos conhecimentos geográficos, vai sendo localizada da Ásia à África, conforme as descrições dos relatos existentes.
Nos séculos XV e XVI a atração de encontrar este extenso e poderoso reino cristão ganhava grande atualidade na consciência cultural europeia. No ano de 1487 organiza-se em Portugal uma expedição com o propósito de localizar este reino e estabelecer contactos capazes de incrementar as relações comerciais com o Índico. Pero da Covilhã e Afonso de Paiva seriam os responsáveis pela concretização destes objetivos, e estava nas suas mãos, tornar este sonho realidade.
Enquanto Bartolomeu Dias dobrava o cabo das Tormentas, que então se passaria a chamar da Boa Esperança, Pero da Covilhã seria o primeiro português a entrar no reino da Abissínia, onde ficaria a viver, convencido de ter encontrado o famoso Preste João, há muito procurado.
A Obra
A Biblioteca Pública de Braga apresenta a 1ª edição de uma das obras incontornáveis da história dos descobrimentos portugueses que pertence à sua coleção de reservados: Ho Preste Joam das índias: Verdadera informaçam das terras do Preste Joam […] do Padre Francisco Alvares, “capelão del Rey nosso Senhor”, impresso em 1540 por Luís Rodrigues.
Esta obra especialmente rara e estimada, de que existem em Portugal muito poucos exemplares, é o relato do Padre Francisco Álvares, capelão da primeira embaixada portuguesa na Etiópia, que descreve a experiência dos seis anos de duração desta missão, entre 1520 e 1526, e é responsável pela produção de um longo texto, onde se articula a narrativa de viagens com as memórias do capelão. Aqui são reproduzidas as cartas enviadas pelo Preste João ao rei português (D. Manuel e D. João III), bem como um diálogo entre o autor e o arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa, incluído no final da obra. Neste último capitulo o Padre Francisco Álvares sistematiza as suas observações sobre os usos e costumes dos Abexins.
De acordo com o referido no colofão “se acabou o livro do Preste João das Índias em que se conta todos os sítios das terras, e dos tratos e comércios delas, e do que se passara na viagem de Dom Rodrigo de Lima que foi por mandado de Diogo Lopez de Sequeira que então era governador da India: e assi que das cartas e presentes que o Preste João mandou a el Rey nosso senhor, com outras coisas notáveis que há na terra: O qual viu e escreveu o Padre Francisco Alvares capelão del Rey nosso senhor com muita diligencia e verdade”
A Identificação
Ho preste Ioam das Indias : verdadera informaçam das terras do Preste Ioam / segundo vio & escreueo ho padre Francisco Aluarez, capellã del rey nosso senhor. – Agora novam[en]te impresso por mandado do dito senhor . – [Lisboa] : em casa de Luis Rodrigues, 22 Outubro 1540 . – [3 br], 136, [i. é 128], [6] f. ; 2º (28 cm).
BPB – Res 832 V
A Descrição Física
Com uma encadernação em pergaminho, esta publicação tem um total de 136 folhas que correspondem a 18 cadernos de impressão, 151 capítulos (142 na 1ª parte e 9 na 2ª), um texto com 42 linhas, impresso com carateres góticos e uma composição tipográfica embelezada de numerosas letras iniciais, abertas em madeira sobre artísticos desenhos de fantasia. No frontispício apresenta uma estampa que ocupa quase toda a página, impressa a preto e vermelho, onde figura o que se admite ser a entrada, a cavalo, do famoso embaixador português na corte da Abissínia, precedido por dois soldados a pé e seguido por um cavaleiro com armadura, montado no seu ginete e empunhando o estandarte das quinas. Na parte superior desta gravura menciona-se: Do Preste Joam das Índias, e por baixo, em quatro linhas, esta outra referencia impressa ora a vermelho ora a preto:Verdadeira informação das terras do Preste João, segundo vio, e escreveo ho Padre Francisco Alvares, Capellão d´El Rey nosso Senhor.
O Autor
O Padre Francisco Alvares, autor deste livro, nasceu na cidade de Coimbra por volta de 1470, tendo morrido em Roma entre 1535 e 1540. Presbítero secular, e Capelão do Rei D. Manuel, foi nomeado Capelão da embaixada enviada à Etiópia chefiada por Duarte Galvão e após o falecimento deste em viagem, por Rodrigo de Lima. Penetrou na Abissínia em 1520 tendo regressando a Lisboa em 1527. Em 1531 parte para Roma a fim de relatar a sua viagem ao papa Clemente VII.
O Impressor
Esta obra foi impressa por Luís Rodrigues, livreiro de D. João III, sendo digno de nota o que refere no seu Prologo, dirigindo-se “a el Rey nosso senhor” D. João III:
“…fui a Paris buscar as estampas, caratules de letras, oficiais e outras cousas convenientes à impressam, as quais não são de menos primor e qualidade que as de Itália, França e Alemanha, onde mais esta arte floresce…”
Como “Livreiro da corte”, Luís Rodrigues beneficiou do amparo constante da Casa Real. Além de D. João III, também a rainha D. Catarina financiou, pelo menos, uma edição. Durante cerca de onze anos (de 1539 a 1549), saíram dos prelos de Luís Rodrigues cerca de 50 obras, algumas de acentuado pendor humanístico, como as que assinam, entre outros, João de Barros, André de Resende ou Damião de Gois.
Na última página deste livro, apresenta-se a marca tipográfica de Luís Rodrigues.
As Traduções
O sucesso desta obra foi tal que, logo no séc. XVI, foi traduzida para castelhano, francês, italiano e alemão, das quais se publicaram várias edições, demonstrando que havia uma grande apetência e necessidade de informação sobre os descobrimentos portugueses, tanto em Portugal como no resto da Europa. Muitas destas traduções são hoje tão raras como o original. A publicação em língua inglesa seria feita, um pouco mais tarde (em 1615).
Na língua Italiana saiu traduzida no tomo I de Delle Navigationi, et viaggi do geógrafo e humanista Battista Ramusio (1556), cujo 1º volume é em grande parte consagrado à África. Esta tradução apresenta algumas diferenças de texto importantes e com plantas das igrejas da Etiópia, que não se encontram na edição portuguesa.
Em volume próprio, a 1ª edição em idioma não português, apareceu, em castelhano, impressa na Antuérpia em 1557. Nesta língua foi ainda publicada uma outra edição traduzida por Miguel de Selues e impressa em Toledo em 1588, com o título: Historia de las cosas de Etyopia […] de que esta Biblioteca possui um exemplar.
No século XX, o Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, em 1966, por sugestão do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos editou esta obra no idioma amárico.
Esta narração, quase diarista da acidentada viagem do Padre Francisco Álvares é, de acordo com Francisco Bethencourt em História da Expansão Portuguesa (vol I, 1998), “uma obra fundadora do conhecimento europeu sobre a Etiópia, com a primeira descrição “à vista” das regiões dominadas pelos negus, dos ritos coptas, das cerimónias de corte, das maneiras de fazer e de pensar, da diversidade regional, da pluralidade de povos e religiões (cristãos, muçulmanos, judeus, “pagãos”), das modalidades do fenómeno politico, das formas de exercer a justiça, da vida quotidiana, das praticas comerciais.”
Este texto, de cuja importância o autor tinha plena consciência, revelada pelo próprio título a “Verdadeira Informação “, trouxe um contributo fundamental para o conhecimento geográfico europeu daquela região, tornando-se numa das obras fundamentais da produção literária associada à demanda do Preste João pelos portugueses.
O Livro
Esta obra foi recebida na Biblioteca Pública de Braga em 1926, aquando da incorporação da livraria particular do Dr. Manuel de Oliveira. A Biblioteca deste médico e bibliófilo de Ponte de Lima, adquirida pela Câmara Municipal de Braga, teria sido originariamente constituída por valiosos pertences outrora do Conde da Barca e enriquecida através da aquisição de obras mais recentes, das quais algumas publicadas por ocasião das Comemorações do 1º Centenário da Guerra Peninsular. Deste espólio, designado por Fundo Barca Oliveira, fazem ainda parte uma coleção de livros e manuscritos sobre a Etiópia, cartas e autógrafos dos jesuítas daquela missão (século XVIII) e o manuscrito do Pero Pais.
Bibliografia mais relevante consultada
Anselmo, António Joaquim – Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI. Lisboa: B.N., 1926
Anselmo, António Joaquim – O livreiro Luís Rodrigues, impressor de textos humanísticos. In Humanitas. Vols. 43/44 (1991/1992), p. 369-376
Doresse, Jean – L’Empire du Pretre Jean. Paris: Plon, 1957
Ficalho, Conde de –Viagens de Pêro da Covilhã,. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, [1988].
Manuel II, Rei de Portugal – Livros antigos portuguezes 1489 – 1600 da biblioteca de Sua Majestade fidelíssima. Londres: Maggs Bros, 1929-1935
Nunes, Henrique Barreto – Nota introdutória. In Catálogo do fundo Barca-Oliveira : (impressos). Braga : Biblioteca Pública de Braga, 1988, p. 85-289
Portugal. Biblioteca Nacional – Catálogo dos impressos de tipografia portuguesa do século XVI: a coleção da Biblioteca Nacional. Lisboa: B.N., 1990
Ramos, Manuel João – O destino Etíope do Preste João: a Etiópia nas Representações Cosmográficas Europeias. In Condicionantes culturais da literatura de viagens: estudos e bibliografias. Lisboa : Cosmos, Centro de estudos de literaturas de expressão portuguesa da U.L., 1998, 235-259
Santos, José dos – Catálogo da importante e preciosíssima livraria, que pertenceu aos notáveis escritores e bibliófilos Condes de Azevedo e de Samodães. Porto: Tip. Da Empresa Literária e Tipográfica, 1921-1922
Silva, Inocêncio Francisco da – Diccionario bibliographico portuguez. Lisboa, Imprensa Nacional, 1858-1876
Silva, J. A. Teles da – Manuscritos & livros valiosos. Lisboa: ed. do Autor, [1971-1972]
Thomaz, L. F. – L’idée impériale manuéline. In Actes du colloque la découverte, le Portugal et l’Europe: Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990
Thomaz, Luís Filipe – Abexins, Abássia, Abissínia e Etiópia. In Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994
Thomaz, Luís Filipe – O Projeto Imperial Joanino. In De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994