Folheie aqui esta magnifica obra!
Enquadramento
Iniciar o ciclo expositivo “Obras Intemporais” da Biblioteca Publica de Braga, no contexto da comemoração dos seus 175 anos, é uma oportunidade para, na base de uma escolha muito criteriosa, dar a conhecer as obras ou documentos mais preciosos ou particularmente relevantes do seu fundo bibliográfico e documental.
Uma das joias desta Biblioteca é a sua coleção de incunábulos. São cinquenta e quatro preciosas espécies bibliográficas impressas nos mais importantes centros culturais e livreiros da Europa quatrocentista – Veneza, Lião, Paris, Nuremberga, Basileia, Roma, Nápoles, etc. – que, mais de três séculos após terem vindo à luz, nos anos conturbados que se seguiram à extinção das ordens religiosas em Portugal, encontraram acolhimento na Biblioteca Pública criada, em 1841, no reinado de Dona Maria II.
As razões que justificam a escolha da obra exposta neste primeiro apontamento – Hortus Sanitatis – prende-se com o facto de ser um livro que não têm paralelo. É um dos primeiros livros impressos, ilustrados, de ciência natural, que em termos formais, está no cruzamento entre o “beau livre” e a enciclopédia, e que é anterior aos grandes tratados do século XVI. É, de acordo com alguns autores, “a última das grandes “enciclopédias” medievais e o testemunho do conhecimento científico da época”, impressa numa fase histórica do “nascimento” do mercado do livro. É um dos raros exemplares existentes em Portugal, apenas um outro, embora incompleto, se encontra identificado na Biblioteca Pública de Évora. Só muito excecionalmente é exposto ao público.
Há ainda, nesta exposição uma narrativa implícita que nos permite abordar, de certa forma, o evoluir do livro, os seus leitores e a sua circulação nos últimos cinco séculos.
Incunábulo
Momento inicial; começo, origem, berço; Diz-se de ou livro impresso que data dos primeiros tempos da imprensa (até ao ano de 1500); foi adotada modernamente para designar as primeiras produções de tipografia (anteriores a 1500).
In Grande dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
Conheça um pouco da história da imprensa!
Identificação da Obra
Hortus Sanitatis. – [Strasbourg: Johann Pruss, não posterior a 21 outubro de 1497]. – [360] f.: il; 2º| Coleção de incunábulos da Biblioteca Pública de Braga – UMinho
Conteúdo inscrito na p. tit: De Herbis et plantis; De Animalibus et reptilibus; De Avibus et volatilibus; De Piscibus et natatilibus; De Lapidibus et in terre venis nascentibus; De Urinis et earum speciebus
BPB – Inc. 39
Apresentação da obra
Obra maior do final do século XV, bem conhecida dos bibliófilos e da história das ciências ou do livro, nomeadamente pelo caracter excecional da sua ilustração, o Hortus Sanitatis propõe-se por um lado dar-nos uma representação do mundo natural na sua globalidade e, por outro, dar informação ao leitor sobre a utilidade dos remédios que a providência divina lhe dispensou.
Tratando sucessivamente das plantas, dos animais terrestres, das aves, dos aninais aquáticos, das pedras e da urina, totaliza mil sessenta e seis notícias, compostas de citações de autores da antiguidade e medievais e todas acompanhadas de criativas xilogravuras. Simultaneamente guia de saúde e enciclopédia, constitui a última ligação da ciência medieval antes dos grandes tratados de ciências naturais do século XVI. Com efeito para o seu conteúdo, ele recorre a três enciclopédias anteriormente publicadas: As Pandectes de Mattheus Silvaticus (século XIV), o Speculum naturale de Vincent de Beauvais (Século XIII) e o De animalibus de Albert de Grand (século XIII). Do ponto de vista da forma, esta obra tem por base o Gart der Gesundheit de Jean de Cuba, um herbário publicado alguns anos antes, ao qual ele deve o seu título “Jardim da Saúde” e a iconografia do tratado das plantas.
A edição original foi impressa em Mainz em 1491 por Jacob Meydenbach; depois Johann Pruss fez três edições não datadas em Strasbourg, provavelmente nos anos 1496,1497 e 1499. A cópia da Biblioteca Pública de Braga é de uma das edições de Strasbourg.
Impressor
Johann Pruss – impressor-livreiro nascido em Herdrechtingen (Wurtemberg) na Alemanha provavelmente em 1447 e falecido em 16/11/1510, com 63 anos.
Matriculou-se na Universidade de Ongolstadt em 14 de outubro de 1474. Exerceu atividade profissional em Strasbourg depois de 1480. Tornou-se burguês de Strasbourg em abril de 1490. Tem uma livraria em frente à sua casa e uma outra encostada à catedral. A sua filha Margarida casou em 1511 com o seu empregado Reinhard I Beck que, em sociedade com o seu filho Johann II Pruss, lhe sucede. Desde 1512, Reinhard Beck passa a ser o único proprietário desta casa de impressão.
Autor
O autor de Hortus sanitatis é desconhecido. De acordo com o prefácio, esta obra terá sido elaborado por um nobre “nobilis dominus” que fez uma viagem à Terra Santa, estudando no seu caminho as plantas locais, os animais, os minerais e o seu uso para fins médicos. Este nobre, para além de elaborar a descrição do que vai observando, regista também as imagens de cada objeto.
Durante muito tempo Johann de Cube (Johannes de Cuba, ou Johann Wonnecke of Caub) foi considerado o autor, pelo facto do seu nome ser mencionado de forma sugestiva no final do Gart der Gessundheit (um herbário contemporâneo com substancialmente o mesmo prefácio), apesar de não existir qualquer referência no Hortus Sanitatis. Chouland, um estudioso que examinou com grande profundidade a identidade do autor desta obra, conclui que eram muitas as peregrinações à Terra Santa nesses tempos, e que muitos outros “nobilis dominus” podiam ser o autor deste herbário.
Organização da obra
O Hortus Sanitatis é uma enciclopédia do mundo natural que se divide em oito “livros” (6 tratados, um índice e uma tabela final), que contêm cada um a sua própria temática:
• o primeiro, tratado das plantas e tudo o que é útil ao exercício da medicina e onde encontrará a representação exata das plantas: o “Tractatus de herbis” em 530 capítulos
• o segundo, tratado da natureza e a compleição dos vários animais que vivem na terra: o “Tractatus de animabilus” (dos animais) com 164 capítulos
• o terceiro , das aves e das suas qualidades específicas: o “Tractatus de avibus” com 122 capítulos
• o quatro, dos peixes, das suas particularidades e das suas qualidades especificas: “Tractatus de piscibus” (dos peixes) com 166 capítulos
• o quinto, das pedras preciosas e as suas propriedades: “Tractatus de lapidibus” (dos minerais) com 144 capítulos
• o sexto, a composição da urina, da sua cor e as indicações que nos fornece no diagnóstico clinico e de modo a identificar farmacopeia necessária ao paciente: o “Tractatus de urinis”
• o sétimo contém um índice permitindo encontrar as doenças e os seus remédios
• o oitavo e último tem uma tabela apresentando por ordem alfabética todo o conteúdo do livro
Cada Capítulo no Hortus Sanitatis está dividido em duas partes: a primeira faz a descrição do objeto e o segundo, na sequência do mesmo – “Operationes” – menciona os seus efeitos médicos.
Iconografia
Há um domínio ao qual o Hortus Sanitatis traz uma verdadeira novidade, a da ilustração. Sem prejuízo da sua insuficiência, devido em grande parte à obscuridade do discurso do conhecimento que ela acompanha, as muitas xilogravuras ilustradas desta publicação contribuíram para descobrir a forma de representação visual cada vez mais precisa e detalhada. Elas convidam a interrogar-se sobre a identificação exata das realidades naturais nomeadas e descritas pelos autores antigos e podiam sublinhar as insuficiências de um saber livresco por vezes pouco conectado com a realidade.
Com xilogravura em quase todas as páginas, e impressas num fólio bonito, o Hortus Sanitatis é, além do mais um livro muito impressionante.
A primeira metade do volume apresenta um conjunto grande de plantas; seguem-se as xilogravuras que representam o reino animal terrestre, do ar, e do mar, indicador de uma imensa variedade. Há um esforço importante na fidelidade em todos os desenhos; não só nos animais mas também nas plantas que são claramente reconhecíveis. No entanto as imagens são pitorescas. É um trabalho medieval, artístico gótico tardio medieval, sem a menor influência da Renascença.
Na edição de Strasbourg, cuja cópia pertence a esta biblioteca, existem três páginas inteiras de xilogravuras. A primeira gravura, localizada no verso da 1ª página, representa um professor sentado na frente de quatro alunos. A página que precede o capítulo dos animais tem no verso a gravura de um esqueleto, com o título “Homo natus de muliere breui uiuvens tempore”, chamando a atenção para a brevidade da vida humana. A última grande gravura, desta edição, encontra-se no verso da página do “Tractatus de urinis” e mostra, o que se julga ser, uma farmácia e um médico a falar com um farmacêutico.
Bibliografia mais relevante consultada
Anselmo, Artur – Estudos de História do livro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981
Anselmo, Artur – Filologia e história do livro in: Cultura, Revista de História e Teoria das ideias, Vol. 28 (2011), p. 15-21
Anselmo, Artur – Incunábulos portugueses em latim (1494-1500) in: Humanitas. Vol. 31/32 (1980), p. 167-196
Gonçalves, Paula … [et al.] – Bibliografia da História do Livro em Portugal: séculos XV a XIX. Lisboa: Biblioteca Nacional, 2003
Johann Prüss (1447?-1510) in http://data.bnf.fr/15090608/johann_pruss/ consultado em 22/06/2016
Jüsten, Helga Maria – Incunábulos e Post-Incunábulos Portugueses […], Lisboa Centros de Estudos Históricos, 2009
Kentron, nº 23 (2013), Caen: Presses Universitaire de Caen, versão eletrónica [número da revista totalmente dedicado ao Hortus Sanitatis, com oito artigos] https://www.unicaen.fr/puc/html/spip16ce.html?article999, consultada em 02/07/2016
Martins, José V. de Pina – Histórias de Livros para a História do Livro. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2015
Mendes, Maria Valentina C.A. Sul, coord e org. – Os incunábulos das Bibliotecas Portuguesas. Lisboa: Sec. Estado da Cultura; Inst. da Biblioteca Nacional e do Livro, 1995
Nunes, Henrique Barreto – V Centenário do primeiro livro impresso em Braga. in: Forum. Vol. 15/16 (jan./jul.) 1994, p. 173-179
Nunes, Henrique Barreto, coord.- Incunábulos da Biblioteca Pública de Braga. Braga: Biblioteca Pública de Braga, 1994
Ortus Sanitatis (Inc.3.A.1.8[37]) in Treasures of the Library, Cambridge Digital Library, University Library, http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/PR-INC-00003-A-00001-00008-00037/1, consultado em 02/07/2016