António Nobre: 1867-1900
Local: Átrio da Biblioteca Pública de Braga – Praça do Município, Braga
segunda a sexta feira das 9:00h às 12:30h, das 14:00h às 17:30h
Data: 03 a 28 de novembro de 2017
António Nobre nasceu no Porto em 1867, e faleceu na Foz do Douro em 1900, com apenas 33 anos de idade. Figura relevante da cultura portuguesa, publica em vida (em abril de 1892, em Paris) o livro de poesia “Só”, que seria a sua única obra.
Editada por chez León Vanier – pelo livreiro parisiense de quase todos os simbolistas franceses – e apresentada, pelo seu autor, como “o livro mais triste que há em Portugal”, é um dos marcos da poesia portuguesa finissecular do século XIX. O seu irmão Augusto Nobre, reputado biólogo e professor da Universidade do Porto, será o responsável pela edição póstuma de “Despedidas “e “Primeiros versos“.
De acordo como Óscar Lopes, António Nobre trouxe “para a poesia o Portugal provinciano nortenho, que os seus tédios escolares, o seu exilio parisiense, o seu egotismo doentio fizeram aderir à sua personalidade inadaptável, às suas saudades da infância numa burguesia rural e nortenha, saudosista e com pretensões senhoriais.”
No texto da palestra proferida por ocasião do 1º centenário do nascimento do poeta José Manuel Mendes esclarece que “Um dos temas muito preferido por Anto [António Nobre] é o da saudade, aspecto que faz dele, na junção com outros elementos, um poeta visceralmente português, na linha imaginária que liga, de início aos nossos dias, toda a literatura lusíada, e que define a nossa sensibilidade própria.” mais adiante refere ainda “Não tendo sido, porventura, o poeta Português que melhor interpretou toda a gama simbolismo (…) foi o que subiu mais alto e mais poderosa e decisivamente influenciou toda a atividade subsequente. Admiraram-no, e pecarei por omissão na citação de nomes, os grandes Teixeira de Pascoais, Fernando Pessoa e Florbela Espanca.”
Assim, e por ocasião do 150º aniversário do nascimento de António Nobre, e integrada nas comemorações dos seus 175 anos, a Biblioteca Pública de Braga promove uma exposição evocativa deste autor, recordando um dos marcos de referência da Literatura Portuguesa, que é considerado para Mário Cláudio, juntamente com Cesário Verde e Antero de Quental, um dos três maiores poetas portugueses do século XIX.
Fonte:
“António Nobre” / Paula Morão in Dicionário de Literatura Portuguesa, org. e dir. de A. M. Machado, Lisboa, Presença, 1996
Quando Chegar a Hora
Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
Olhe: eu mesmo lh’a meço…
O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas…
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
Que m’a venha elle abrir.
E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
A minha alma é dia!
Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!)
De padres farão.
Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
Virão devagarinho,
E hão-de exhumar-me o corpo e leval-o-ão de rastros,
Em tiras, para o ninho!
E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio,
N’aquelle dia, ai!
Aguias! sugae o sangue a vosso filho Antonio,
Sugae! sugae! sugae!
Raro têm de comer. A pobreza consome
As aguias, coitadinhas!
Ao menos, n’esse dia, eu matarei a fome
A essas desgraçadinhas…
De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto:
Não me lembrei, não vi
Que tinha feito com as aguias um contrato,
No dia em que nasci.
António Nobre, in “Só”, 1ª ed. (1892)
IN MEMORIAM
Fernando Pessoa
“De António Nobre partem todas as palavras com sentido lusitano que de então para cá têm sido pronunciadas. (…). ele foi o primeiro a pôr em europeu este sentimento português das almas e das coisas (…). Quando ele nasceu, nascemos todos nós. A tristeza que cada um de nós traz consigo, mesmo no sentido da sua alegria é ele ainda, e a vida dele, nunca perfeitamente real nem com certeza vivida, é afinal, a súmula da vida que vivemos…”
“Para a memória de António Nobre”, in Páginas de Doutrina Estética, 1915
Vitorino Nemésio
“Não há livro mais nosso que o Só, nem poeta mais português que António Nobre. Ele trouxe a linguagem poética ao nível da fala comum, fazendo da poesia o milagre de uma conversa à lareira. (…) Poesia extremamente simples e astuciosamente complicada, o Só abre-se na nossa literatura como um raro livro vivido, um livro autêntico, singular em si mesmo e no povo que exprime e revela. “
“O Só de António Nobre”, in Ondas Média – Biografia e Literatura, 1945
Sampaio Bruno
“Lembrava-me e lembrei-me de que fora eu quem, sem sequer de vista o conhecer, apontou ao publico culto o original, prometedor talento d´aquele moço ignorado então. (…). Veio na verdade, a ser muito: tão fino, candidamente malicioso, doce, ingénuo era seu temperamento; tão sincera sua tristeza; tão moderno seu gosto; tão nacionalista seu sentir; na pátria e na família, tão sugestiva sua imaginação, ardosa e melancólica!”
In Despedidas 1895-1899, c/ prefácio de José Pereira de Sampaio (Bruno), 1945
Breve Cronologia
1867 | Nasce a 16 de agosto, no Porto |
1882 | Primeira poesia conhecida, Intermezzo Ocidental |
1883 | Publicação da revista literária Mocidade de Hoje, onde colaborou |
1888 | Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Conhece Alberto de Oliveira |
1889 | Publicação da revista Boémia Nova, na qual colabora com Alberto de Oliveira, Agostinho de Campos, Alberto Osório de Castro e António Melo |
1890 | Parte para Paris, onde conhece Eça de Queiroz |
1892 | Publicação de Só, em Paris |
1893 | Rompimento definitivo com Alberto de Oliveira |
1895 | Chega, em setembro, a Davos-Platz, famosa estância de cura na Suíça. Outubro, primeira Hemoptise |
1896 | Regressa a Lisboa |
1897 | Parte para os Estados-Unidos, onde visita Nova Iorque, Washington, Jersey e Baltimore |
1898 | Pequena estadia no Funchal, à procura de um clima ideal para a cura da sua doença. Abril, regressa a Lisboa: “Venho pior do que fui”. Submete-se a um tratamento da tuberculose, descoberto pelo Dr. Joaquim Evaristo |
Publicação da 2ª edição de Só, com substanciais diferenças quanto á edição inicial e com desenhos de Eduardo Moura e Julio Ramos e o retrato do poeta feito a partir do busto de Thomaz Costa | |
1900 | 18 de março, morte de António Nobre |
1902 | 1ª edição de Despedidas |
1921 | 1ª edição de Primeiros Versos |
Carta a Manoel
Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem…
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! (…)
António Nobre, in “Só” (excerto)
Só / António Nobre . – Paris : Léon Vanier, 1892 (1ª edição) . – 157 p. ; 25 cm.