A Restauração da Independência de Portugal: expressões das comemorações estudantis em Braga
Salão Nobre do Theatro Circo
30 de nov. – 9 de dezembro 2017
Promotores: BPB – UMinho, AAUM, Theatro Circo, Agrupamento de Escolas Sá de Miranda
Introdução
Celebrar a efeméride, valorizar as tradições dos estudantes bracarenses e refletir sobre a atualidade da comemoração desta data, são alguns dos objetivos da iniciativa que se apresenta ao público no Salão Nobre do Theatro Circo, de 30 de novembro a 9 de dezembro de 2017.
A justificação para a realização desta iniciativa prende-se com o facto da liberdade e da independência de Portugal serem, enquanto comunidade coletiva, os nossos bens mais preciosos. Se para alguns, e num contexto de integração europeia e de abolição de fronteiras, as características inicialmente patrióticas destas comemorações poderão parecer obsoletas, sem qualquer sentido ou significado, não podemos ignorar que, num contexto político e social de necessária afirmação de uma identidade cultural sob continua ameaça, é muito relevante continuar a festejar o 1º de dezembro, o que é, no essencial, uma forma de celebrar a nossa liberdade, a nossa independência e a nossa identidade.
Integrada simultaneamente nas comemorações dos 175 anos da Biblioteca Pública e nos 40 anos da AAUM, esta iniciativa, assumidamente associada a um espírito de festa, à nossa festa, e à recita que anualmente os estudantes realizam no Theatro Circo desde o ano da sua inauguração, é também um hino de alegria pela liberdade de Portugal. Para que a guardemos, para que a valorizemos, para que a prezemos, a Biblioteca Pública de Braga, a Associação Académica da Universidade do Minho, o Theatro Circo e o Agrupamento Sá de Miranda, promovem uma exposição, de cariz essencialmente bibliográfico e documental, evocativa desta data, dando a conhecer alguns dos principais registos de memória, de história coletiva e de simbologia cívica do dia da Restauração.
- Obras de referência da Restauração da Independência
Para nos aproximarmos do movimento da Restauração, inicia-se o primeiro núcleo desta exposição com uma mostra das principais obras de referência deste período da nossa história. Esta seleção, que apresenta várias primeiras edições ou edições bastante raras, tem por base a literatura coeva, e, por isso, assente fundamentalmente no fundo antigo da Biblioteca Pública de Braga.
Lusitânia Liberta, 1645: Coroação de D. João IV
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Lusitânia Liberta, 1645: A Lusitânia sentada no globo terrestre com um cetro e a bandeiras das Lusitânia |
A mostra bibliográfica de que se destaca uma obra fundamental de narração e critica histórica dos acontecimentos, a famosa 1ª edição da História de Portugal Restaurado do Conde da Ericeira, procura apresentar uma visão abrangente deste acontecimento histórico. São, por isso, várias as perspetivas selecionadas: autores que utilizam uma argumentação dominantemente histórico-jurídico-politica nos seus escritos, de que é demonstrativa a rara edição da Lusitânia Liberta de António Sousa Macedo, ou a Justa Aclamação do Sereníssimo rei de Portugal D. João IV de Francisco Vasco de Gouveia; e outros autores que utilizam uma argumentação sebastianista e sobrenatural, de que é exemplo maior a Restauração de Portugal Prodigiosa do Padre João de Vasconcelos. O sermonário, de que é figura de relevo o Padre António Vieira, tem também neste período histórico um papel politico muito importante, tendo, por isso, sido considerado nesta mostra com vários títulos de referência e de vários autores.
Apesar da bibliografia apresentada ser essencialmente de produção portuguesa, não poderíamos deixar de considerar alguns textos da historiografia estrangeira que referenciam os acontecimentos de 1640, tendo presente que as interpretações feitas deste período histórico, apresentando conceções ora de cunho espanholista ora de cunho pró-lusitana, são, muitas vezes, em função das visões presentes, contraditórias.
Em suma, e tomando em consideração que a bibliografia do movimento restaurador é vasta e muito variada, procurou-se considerar as obras mais relevantes, dando-nos conta dos problemas sociopolíticos fundamentais da realidade portuguesa dos meados do século XVII, a partir da historiografia, da literatura politica, da argumentação legitimista da Restauração, da parenética portuguesa passando ainda pela visão externa desse mesmo período.
Lusitânia Liberta, 1645: Armas de Portugal |
Lusitânia Liberta, 1645: Retrato de D. João IV |
- Evolução da dimensão simbólica e comemorativa do 1º de dezembro
Este núcleo que se pretende tenha uma organização essencialmente cronológica, regista para cada momento, os principais factos históricos e simbólicos associados a estas comemorações, assim com algumas publicações que marcam este período. Assim, considerou-se como momentos essenciais: i) a aclamação de D. João IV e as celebrações iniciais; ii) os principais marcos celebrativos com a Monarquia Constitucional, iii) a laicização desta comemoração por parte da República, a consagração do feriado do 1º de dezembro, e a aprovação de novos símbolos nacionais; iv) o nacionalismo do Estado Novo, com as comemorações do centenário da Restauração e da Fundação de Portugal em 1940, e a criação da Mocidade Portuguesa; e v) as comemorações bracarenses no período do Estado Novo.
Do ponto de vista comemorativo o dia da Restauração da “Independência” e da subida ao trono da dinastia de Bragança, é assinalado, por determinação das cortes de 20 de janeiro de 1641, com a celebração no 1º de dezembro de um Te Deum, a ocorrer anualmente nas Sés de Portugal. Ao longo de toda a Monarquia Constitucional o 1º de dezembro, é assinalado no calendário como “dia de simples gala”. Em 1892, a Comissão Central 1º de Dezembro, pretendeu que o 1º de dezembro fosse promovido a “dia de grande gala”, mas este requerimento não foi atendido.
A implementação da República a 5 de outubro de 1910 provocou uma rutura com o quadro que anteriormente se descreveu. O decreto de 12 de outubro desse mesmo ano inscreve, entre os dias feriados, o 1º de dezembro a fim de ser consagrado à autonomia da Pátria Portuguesa. Um outro diploma determinou que este dia fosse solenizado com a Festa da Bandeira Nacional e que a organização e direção dessa festa fosse incumbida nas diversas cidades e vilas da República às respetivas municipalidades.
No período do Estado Novo, o “ressurgimento da consciência nacional impõe que certas datas sejam comemoradas com solenidade e com respeito” e, estando “o dia 1 de Dezembro nessas condições, porque foi dedicado à festa da Independência Nacional, o Estado Novo tem o dever de manter bem vivo no coração do povo português o culto dos heróis e o sentimento sagrado da integridade da Pátria. (…) O feriado nacional do dia 1º de Dezembro deve ser observado em todo o território da Nação Portuguesa, sendo para todos os efeitos equiparado ao domingo ou ao dia excecional designado para descanso semanal.”
Para esta comemoração concorre, no essencial, a criação da Mocidade Portuguesa que adota o 1º de dezembro como data das suas comemorações, e, mais tarde, em 1940, a comemoração do duplo centenário: o da Restauração e o da Fundação de Portugal.
Por último destacam-se as comemorações bracarenses no período do Estado Novo: as realizadas na autarquia bracarense em sessões promovidas pela Delegação Bracarense da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e as realizadas anualmente no Liceu Sá de Miranda.
Em termos simbólicos, exibe-se nesta exposição o Hino e a Bandeira da Restauração, o Hino “A Portuguesa” e a Bandeira da República, mas também o Hino da Académia (Liceu Sá de Miranda), frequentemente interpretado nestas ocasiões, e a bandeira da Academia.
- Expressões das comemorações estudantis em Braga
- a) Os Números Únicos bracarenses comemorativos do 1º de dezembro de 1640
Uma das manifestações mais emblemáticas das comemorações da Restauração da Independência por parte dos estudantes bracarenses são os Números Únicos comemorativos do 1º de dezembro. São opúsculos evocativos da efeméride, geralmente com poucas páginas, com textos em prosa e verso da autoria de literatos, académicos e outras personalidades. Além de nos revelarem o espirito da Academia, as suas preocupações filantrópicas e o seu sentido patriótico, eles refletiam o meio literário e cultural bracarense. Inicialmente o produto da sua venda revertia para as associações filantrópicas da época ou destinava-se a custear as despesas dos próprios festejos.
A coleção de Números Únicos comemorativos do 1º de dezembro relativos a Braga, de que a Biblioteca Pública dispõe, corresponde a mais de 50 documentos originais que, na sua maioria, se apresenta nesta exposição. Não deixa de ser curioso verificar que, nos anos de 1895, 1896, 1897 e 1899 a Academia do Liceu de Braga e a Academia do Seminário Conciliar publicaram cada uma o seu número único e em 1898, 1900, 1901, 1902 e 1903, as duas instituições partilharam a edição.
Um brinde às Damas Bracarenses, 1882 – Número Único |
Número Único Comemoração da data inolvidável de 1640 – 1899 |
- b) Os programas das Recitas de Gala realizadas no Theatro Circo
O levantamento efetuado na imprensa bracarense, permite-nos referir que existem numerosos registos da realização de récitas comemorativas ao 1º de dezembro em Braga, pelo menos desde 1893 no Theatro S. Geraldo e, desde a sua inauguração em 1915, no Theatro Circo.
A coleção de cartazes do Theatro Circo (1915-1974) existentes na Biblioteca Pública, permite-nos identificar e exibir um conjunto de 34 programas originais, comemorativos desta efeméride, promovidos no período entre 1915 e 1961 pela Academia do Liceu Sá de Miranda e pela Mocidade Portuguesa do Liceu Nacional de Braga. Mais recentemente estas récitas têm sido promovidas pela Associação Académica da Universidade do Minho.
Programa Recita de Gala 1 dezembro 1915 |
Programa Recita de Gala 1 dezembro 1916 |
Programa Recita de Gala 1 dezembro 1951 |
- c) As peças teatrais e as composições poético-musicais
Como refere Maria da Conceição Meireles Pereira, no seu artigo “A pena em vez da espada: teatro e a questão ibérica” (2004), a vasta panóplia de escritos publicados na imprensa periódica, os folhetos e opúsculos, mas também os diversos géneros literários como o drama, o romance e a poesia, foram veículos que amplificaram o impulso propagandístico da Comissão Central do 1º de dezembro criada em 1861. Desde peças de teatro, poesias, meras narrações ou transcrições de obras já publicadas, todos os géneros serviram para cantar a gesta da formação da nacionalidade, a batalha de Aljubarrota, as guerras com Castela, e a luta contra os Filipes.
O género dramático, na sua dupla dimensão de texto criativo versus espetáculo de multidões assumiu neste contexto, particular relevância, contribuindo decisivamente para a formação da identidade nacional. Apesar da dificuldade da quantificação da representação das peças evocadas, o levantamento efetuado pela Dr. Helena Laranjeiro para as representações realizadas no Theatro S. Geraldo, em Braga, concluiu que o drama D. Filipa de Vilhena, de Almeida Garrett, é a peça que mais vezes é representada, à semelhança do que sucede nos melhores teatros do país pelos grupos dos mais afamados atores da época.
Deve ainda realçar-se, de acordo com esta investigadora, a importância das poesias e das canções neste tipo de récitas teatrais: quando as composições poético-musicais faziam parte da própria peça, eram interpretadas no momento respetivo; quando tal não acontecia, aproveitavam-se os intervalos entre as peças, ou o final da representação, para incentivar a participação do público, através do canto, promovendo um final apoteótico do espetáculo.
Os programas exibidos nesta mostra poderão confirmar esta constatação.
- d) O cortejo histórico evocativo do 1º de dezembro
O Diário do Norte de 2 de dezembro de 1956 refere a este propósito: “(…) o primeiro Cortejo Histórico, iniciativa do Chefe do Distrito e do Comandante da PSP, inspirado na quadra histórica de 1640, foi o grande número do programa. A Avenida central emoldurou-se de uma multidão curiosa e ávida de presenciar o desfile do cortejo, que começou por volta das 15 horas e meia. Abria com um grupo de batedores a cavalo, da GNR, logo seguido pela banda da ‘Mocidade Portuguesa.’ O primeiro carro, na ordem do cortejo, era o da ‘Mocidade Portuguesa’, seguindo-se os do Colégio de D. Diogo de Sousa, o da Mocidade Portuguesa Feminina, da Escola do Magistério, do Grémio do Comércio – todos a preceito.
Depois, num magnifico coche do Século XVII, seguia ‘D. João IV’ a caminho da Aclamação, acompanhado pela Rainha. Era um lindíssimo arranjo do Liceu Sá de Miranda, seguiam-se ainda o carro da Escola Industrial e Comercial que nos apresenta um magnifico quadro inspirado na aclamação de D. João IV. O último, apresentado pela Câmara Municipal, era alusivo à Independência e constitui, na realidade, uma felicíssima apoteose deste cortejo que oxalá se organize todos os anos.”
Bibliografia mais relevante consultada
Andrade, Luis Oliveira – História e Memória: a Restauração de 1640: do liberalismo às comemorações Centenárias de 1940. Coimbra: Minerva, 2001
Andrade, Luis Oliveira; Torgal, Luís Reis – Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. 2ª ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2012
Arriaga, Lopes – Mocidade Portuguesa: breve história de uma organização salazarista. Lisboa: Terra Livre, 1976
Azevedo, Rodrigo – Liceu Sá de Miranda in “Liceus de Portugal”: história, arquivos, memórias. Porto: Asa, p. 136-137
Catroga, Fernando – Ritualização da História in História da História em Portugal, séc. XIX e XX. Lisboa: Circulo de Leitores, 1996
Cunha, Maria Helena R. Laranjeiro – Números Únicos Bracarenses comemorativos do 1º de dezembro de 1640. 2ª ed. Braga: AAEUM: AAUM: Biblioteca Pública de Braga, 1995
Ferreira, Paulo Bruno Rodrigues – Iberismo, Hispanismo e os seus contrários: Portugal e Espanha 1908-1931. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2016
Marques, João Francisco – A Parenética Portuguesa e a Restauração 1640-1668. Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989
Nunes, Henrique Barreto; Cunha, Maria Helena R. Laranjeiro; Bastos, Nuno Pinto – Tradições Académicas. Braga: AAUM, 2001
Pereira, Maria da Conceição Meireles – A Pena em vez da Espada: teatro e questão ibérica in Actas do Colóquio Internacional Literatura e História. Porto: CILH, vol. 2, 2004 p 71-101
Pereira, Maria da Conceição Meireles – A Questão Ibérica. Imprensa e opinião (1850-1870). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995
Pereira, Maria da Conceição Meireles – O 1º de Dezembro: memória e liturgia cívica na 2ª metade de oitocentos in Revista de História das Ideias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Ideias, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, vol. 28, 2007, p 129 – 167
Matos, Sérgio Campos – Conceitos de Iberismo em Portugal in Revista de História das Ideias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Ideias, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2007, vol. 28, p 169 – 193
Serrão, Joaquim Veríssimo – História de Portugal, vol. 4 e 5. Lisboa: Verbo, 1986
Serrão, Joel – Dicionário de História de Portugal, vol. 3, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1963-1968
Teixeira, Nuno Severiano – Do azul-branco ao verde-rubro: a simbólica da Bandeira Nacional in A Memória da Nação. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1991
Torgal, Luís Reis – Ideologia Politica e Teoria do Estado na Restauração. Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1981-1982
FICHA TÉCNICA
Promotores: Biblioteca Pública de Braga – UMinho, Associação Académica da Universidade do Minho, Theatro Circo, Agrupamento de Escolas Sá de Miranda
Coordenação: Elísio Araújo, Rosa Cunha e Bruno Alcaide
Conceção e investigação: Rosa Cunha
Colaboração: Helena Laranjeiro, Cândida Batista
Recolha documental: António Gonçalves, Felicidade Gonçalves, José Alberto Gomes
Catalogação e digitalização de documentos: José Alberto Gomes
Apoio operacional e montagem: Ana Paula Costa, Alfredo Barbosa, Conceição Carvalho, Eugénio Silva, AAUM
Imagens: Macedo, António Sousa de – Lusitânia, 1645 | BPB; Números Únicos Bracarenses comemorativos do 1º de dezembro | BPB; Programas das Récitas de Gala do 1º de dezembro – Theatro Circo |BPB; Cortejo Histórico comemorativo do 1º de dezembro, 1956 | Escola Sá de Miranda
Imagens: Macedo, António Sousa de – Lusitânia Liberata, 1645 | Coleção de Reservados da BPB
Conceção gráfica:
Apoios:
Câmara Municipal de Braga Museu Pio XII |